Não
que achasse estranho, pelo contrário, tinha faculdade das minhas
ações e não era de cometer insanidade. Tentativas de suicídio
sequer passaram pela cabeça, muito menos de se entupir de remédios
e venenos. Ou seja, não mais do que um homem de boa sanidade.
Quero
entender o motivo do medo. A provocação de olhares, repulsa e
desaprovação. Se lançavam a palavra vinha a expressão de o que tu
fizeste doidão? Ou: não fico perto de ti nenhum minuto. Lançava
olhar cínico, irônico e desapareciam pra não voltarem mais.
Acho
que ficava agressivo e vinha um senhorzinho de uniforme azul a jogar
livros de capa dura. Da última vez trouxera de auto-ajuda, não li,
no outro dia não vi mais.
Alguns
eu rasgava ou criava passarinhos das páginas. Pegava a cadeira e
subia pra soltar pela janelinha e avistava as aves cantando a receber
a direção no horizonte.
Às
vezes criava homenzinhos pra debaterem comigo. Podia ser qualquer
assunto, de alienígenas, conspirações, mídia, fanatismo. Quando
caia no tema loucura, era a maior bagunça e tédio, ninguém
equilibrava a coerência e falava coisa com coisa.
De
imediato desfazia pra criar homenzinhos de stand up comedy. Morria na
gargalhada, tanto que certa parte injuriava e desmanchava.
O
que eu mais gostava de criar era Emília, não a boneca de pano do
Monteiro Lobato. Porém, a minha Emília, a bela. Sabia quais livros
favoráveis para montar minha amada, os da linha romanesca, de histórias com finais felizes. O esquisito era que a cada formação
aparecia loira, morena, negra, amarela, vermelha, de cabelo crespo,
liso, magra, gorda, alta e baixa. De vez em quanto no desespero pegava qualquer livro. Saía sem graça,
chata, rabugenta e chorona. Só irritava e sem dó dava um fim.
O
senhorzinho é que traz o prato de comida fria. Arroz duro, feijão
ralo e carne igual borracha. Se eu reclamo, lá vem jogar livros. Às
vezes por raiva e birra, rasgo tudo, pra mostrar protesto. Quando
quero aconchego e colo penso em Emília.
Dias
atrás apareceram visitas que não gostei. Provocadores, sarcásticos,
rindo de mim, fazendo piadinhas, mostrando objetos para que eu fosse
pegá-los. Um deles disse: Deveras diversão. Uma moça de vestido
provocante comentou que seus cachorros não a divertiam como eu a
divertia. Um de bengala e bem gordo perguntou ao senhorzinho o que eu
adorava fazer. Nada. Só lê esse daí. De resto, presta pra nada.
Traga qualquer livro. Apreciaremos o que a criatura é capaz. Pediu
o de bengala.
Foi
buscar, cismado, desconfiado do que surgiria. Vejam lá, não confio
no doidão aí. O senhorzinho foi embora após deixar o livro. Nem
recordo o nome, só sei que pulei, retirei as páginas. Escutei um ó
ovacionado.
Não
deveria ler em vez de rasgar as páginas? Perguntou a mulher de
vestido provocante. Pra mim, o que basta é observar as reações,
não espero do que ação surreal. Apontou o de bengala.
Dei
o que desejavam, um solitário show. Vi bocas rindo, salivas
escapando, riso pausando no ar, bocas paradas. Depois,
tornaram-se escuras e vermelhas, vermelhas de sangue. Ao notarem, era
tarde.
Nada
escapou. Soldados de papéis com sede de guerrear, dementes
vociferando gritos de guerra nem se importando com o temor daquela
gente. Não restou nenhum pra contar história. Na minha frente com bocarra escandalosas, olhos esbugalhados, violentados pelo medo
adocicado.
Vieram
os homens, o senhorzinho com a mão na cabeça cuspia palavrões. Não
sei no que ocorreu com os soldados de papéis. De mim, silenciaram
com agulha de dormir. Dose cavalar dissera um deles. Nem lutei, nem
rebati, agradeço-os por darem o melhor sonho com Emília nesses
últimos meses.
No
entanto, alguns loucos se arriscam com certo pé atrás e se olho
diferente correm assustados. Assim é melhor, consigo tranquilidade.
O
senhorzinho continua a mandar livros, que são chatos e Emília
aparece malfeita, sem graça, ditando palavras de incentivos e o
melhor do mundo. Com tédio e frustrado desfaço, amargando que o
sono não chega logo...
(Rod.Arcadia)
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