terça-feira, 10 de setembro de 2013

Retalhos








Não que achasse estranho, pelo contrário, tinha faculdade das minhas ações e não era de cometer insanidade. Tentativas de suicídio sequer passaram pela cabeça, muito menos de se entupir de remédios e venenos. Ou seja, não mais do que um homem de boa sanidade.
Quero entender o motivo do medo. A provocação de olhares, repulsa e desaprovação. Se lançavam a palavra vinha a expressão de o que tu fizeste doidão? Ou: não fico perto de ti nenhum minuto. Lançava olhar cínico, irônico e desapareciam pra não voltarem mais.
Acho que ficava agressivo e vinha um senhorzinho de uniforme azul a jogar livros de capa dura. Da última vez trouxera de auto-ajuda, não li, no outro dia não vi mais.
Alguns eu rasgava ou criava passarinhos das páginas. Pegava a cadeira e subia pra soltar pela janelinha e avistava as aves cantando a receber a direção no horizonte.
Às vezes criava homenzinhos pra debaterem comigo. Podia ser qualquer assunto, de alienígenas, conspirações, mídia, fanatismo. Quando caia no tema loucura, era a maior bagunça e tédio, ninguém equilibrava a coerência e falava coisa com coisa.
De imediato desfazia pra criar homenzinhos de stand up comedy. Morria na gargalhada, tanto que certa parte injuriava e desmanchava.
O que eu mais gostava de criar era Emília, não a boneca de pano do Monteiro Lobato. Porém, a minha Emília, a bela. Sabia quais livros favoráveis para montar minha amada, os da linha romanesca, de histórias com finais felizes. O esquisito era que a cada formação aparecia loira, morena, negra, amarela, vermelha, de cabelo crespo, liso, magra, gorda, alta e baixa. De vez em quanto no desespero pegava qualquer livro. Saía sem graça, chata, rabugenta e chorona. Só irritava e sem dó dava um fim.
O senhorzinho é que traz o prato de comida fria. Arroz duro, feijão ralo e carne igual borracha. Se eu reclamo, lá vem jogar livros. Às vezes por raiva e birra, rasgo tudo, pra mostrar protesto. Quando quero aconchego e colo penso em Emília.
Dias atrás apareceram visitas que não gostei. Provocadores, sarcásticos, rindo de mim, fazendo piadinhas, mostrando objetos para que eu fosse pegá-los. Um deles disse: Deveras diversão. Uma moça de vestido provocante comentou que seus cachorros não a divertiam como  eu a divertia. Um de bengala e bem gordo perguntou ao senhorzinho o que eu adorava fazer. Nada. Só lê esse daí. De resto, presta pra nada. Traga qualquer livro. Apreciaremos o que a criatura é capaz. Pediu o de bengala.
Foi buscar, cismado, desconfiado do que surgiria. Vejam lá, não confio no doidão aí. O senhorzinho foi embora após deixar o livro. Nem recordo o nome, só sei que pulei, retirei as páginas. Escutei um ó ovacionado.
Não deveria ler em vez de rasgar as páginas? Perguntou a mulher de vestido provocante. Pra mim, o que basta é observar as reações, não espero do que ação surreal. Apontou o de bengala.
Dei o que desejavam, um solitário show. Vi bocas rindo, salivas escapando, riso pausando no ar, bocas paradas. Depois, tornaram-se escuras e vermelhas, vermelhas de sangue. Ao notarem, era tarde.
Nada escapou. Soldados de papéis com sede de guerrear, dementes vociferando gritos de guerra nem se importando com o temor daquela gente. Não restou nenhum pra contar história. Na minha frente com bocarra escandalosas, olhos esbugalhados, violentados pelo medo adocicado.
Vieram os homens, o senhorzinho com a mão na cabeça cuspia palavrões. Não sei no que ocorreu com os soldados de papéis. De mim, silenciaram com agulha de dormir. Dose cavalar dissera um deles. Nem lutei, nem rebati, agradeço-os por darem o melhor sonho com Emília nesses últimos meses.
No entanto, alguns loucos se arriscam com certo pé atrás e se olho diferente correm assustados. Assim é melhor, consigo tranquilidade.


O senhorzinho continua a mandar livros, que são chatos e Emília aparece malfeita, sem graça, ditando palavras de incentivos e o melhor do mundo. Com tédio e frustrado desfaço, amargando que o sono não chega logo...

(Rod.Arcadia)

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