Luamar
Na
rua morava uma moça magra, bem magra, de cabelo crespo claro, olhos
marrons, que só vestia vestido que a mãe encomendava com a
costureira.
Seu
nome era Luamar e ganhou certa popularidade com o dom
de ouvir as coisas alheias.
Não,
não era repórter que trabalhava para revistas de fofocas, nem
fuxiqueira. Longe disso, era um poço de paz, fugia das
confusões. Enfim, carregava o dom.
Começou
aos doze anos. Sem entender ouviu o pensamento da aluna da escola,
que planejava algo contra outra da sétima série. Foi muito claro e
o pensamento a assustou.
Foi
difícil a vítima acreditar, fizera perguntas e ficou
na dúvida se deveria confiar numa pessoa que nem sequer falava com
ela. Só não sabia o dia e a hora, o que acabou
evitado pra sorte da garota.
Nesse
dia andando surgiram milhares de pensamentos. Bons, ruins, marcações
de encontros e despedidas, uma babel na cabeça. Passou mal, desmaiou
e acordou num hospital fiscalizada pela enfermeira.
Com
o tempo se acostumou e pesquisando mais a fundo descobriu que se
chamava telepatia. Nunca se deu notícia de casos de
tal habilidade.
Era
a única. E pra ser melhor, da minha rua. Na época não tínhamos
amizade, foi bem depois e fora do local que morávamos e já
estávamos adultos. Encontrei por acaso no aeroporto de embarque ao
Rio de Janeiro.
Disse
que não teve mais sossego, o pai quis matá-la com o travesseiro, a
sorte que se arrependeu. Tinha caso com a moradora e que fez aborto a
mando dele. Contou que seria segredo, que não contaria pra mãe, mas
exigiu que refletisse os atos, pois estava mentindo e destruindo a
felicidade de duas mulheres.
Não
tinha mais confiança, sempre quando via lembrava do travesseiro.
Com
a descoberta a fama e conhecimento cresceram. Acabou
que se alastrando fora da cidade aparecendo gente de
todo o Brasil.
A
casa não dava conta de tanta gente. Às vezes vinham com pedidos
absurdos, de interesses mesquinhos. Queriam saber de tudo, tudo que
tirassem proveito. De assumir cargos importantes, até mesmo escalas
maiores, como transferências de bens ou que revelasse senhas de
bancos ou procurasse na mente de alguém algum segredo comprometedor.
No
dia que a encontrei tinha adquirido mais corpo, apesar
de se manter magra. O cabelo o mesmo e usava vestido como de costume.
Confesso que o encontro partiu dela, já que de imediato havia
esquecido o seu jeito.
Contou-me
que desistiu de ajudar. Querem mais se aproveitar, descobrir
segredos, números de jogos e traições. O único resultado que tem
orgulho foi o de desvendar o crime das crianças esquartejas pelo
pedófilo. De resto, nada de importância o seu dom
teve de melhor para auxiliar.
Há
anos desistiu, fugira para o sul e neste dia estava de mudanças para
o Rio de Janeiro. Nesse tempo não encontrou nenhum amor. Temia ouvir
os pensamentos e o que encontrasse não seria bom nem pra ele e pra
ela.
Aposentou,
morava sozinha, os pais separados, cada um vivendo num Estado,
o que era trabalho cansativo. E sim, ainda possuía a telepatia,
tanto que escutara meus pensamentos. Disse ela:
– Seus
pensamentos voam livres como os pássaros.
E
riu. Guardaria segredo.
Minha
última pergunta foi se teria coragem de utilizar para
aproveito de enriquecimento.
Abriu
um sorriso confiante e respondeu:
– Não
sou assim. Espero que entenda.
E
não era mesmo.
Levantou,
deu-me felicidades, despediu e se juntou a multidão do aeroporto.
Foi
há dois anos. Depois não soube mais dela, nem na nossa cidade natal
sabiam.
Hoje
ao ligar no noticiário veio a notícia de um corpo
encontrado dentro do veículo. Corpo feminino, no banco
do motorista. O vidro quebrado e recebeu tiro na cabeça.
A
repórter noticiou que testemunhas viram uma moto do lado do
automóvel. Tiro certeiro e mortal. Não houve tempo pra socorrer.
Também não reconheceram os assassinos, roupa preta, capacete e
gorro, podiam ser qualquer um.
O
que me chocou foi o nome que a repórter revelou.
– Luamar.
Ditou
as fisionomias que a minha vizinha possuía. Quase, errara no cabelo,
estava liso. Mas sim, seu nome era Luamar.
Fiquei
na dúvida. Seria ela? Morava no Rio de Janeiro. Foi o que disse na
última vez. E se havia mudado pra cá, pra cidade?
Não.
Coincidência. Qualquer mulher teria nome igual. Ou não?
A
notícia foi passageira. Não era importante, mudaram o
foco pra Brasília e o Planalto. Corrupção quentinha saindo do
forno.
Seja
lá quem for essa Luamar, deixou-me triste. Uma pena, mesmo não
sendo a vizinha que escutava os pensamentos dos outros, não desejava
mal a ninguém.
Esse
mundo é uma paranoia.
(Rod.Arcadia)
Nenhum comentário:
Postar um comentário