domingo, 1 de setembro de 2013

Luamar





Luamar




Na rua morava uma moça magra, bem magra, de cabelo crespo claro, olhos marrons, que só vestia vestido que a mãe encomendava com a costureira.

Seu nome era Luamar e ganhou certa popularidade com o dom de ouvir as coisas alheias.

Não, não era repórter que trabalhava para revistas de fofocas, nem fuxiqueira. Longe disso, era um poço de paz, fugia das confusões. Enfim, carregava o dom.

Começou aos doze anos. Sem entender ouviu o pensamento da aluna da escola, que planejava algo contra outra da sétima série. Foi muito claro e o pensamento a assustou.

Foi difícil a vítima acreditar, fizera perguntas e ficou na dúvida se deveria confiar numa pessoa que nem sequer falava com ela. Só não sabia o dia e a hora, o que acabou evitado pra sorte da garota.

Nesse dia andando surgiram milhares de pensamentos. Bons, ruins, marcações de encontros e despedidas, uma babel na cabeça. Passou mal, desmaiou e acordou num hospital fiscalizada pela enfermeira.
Com o tempo se acostumou e pesquisando mais a fundo descobriu que se chamava telepatia. Nunca se deu notícia de casos de tal habilidade.

Era a única. E pra ser melhor, da minha rua. Na época não tínhamos amizade, foi bem depois e fora do local que morávamos e já estávamos adultos. Encontrei por acaso no aeroporto de embarque ao Rio de Janeiro.

Disse que não teve mais sossego, o pai quis matá-la com o travesseiro, a sorte que se arrependeu. Tinha caso com a moradora e que fez aborto a mando dele. Contou que seria segredo, que não contaria pra mãe, mas exigiu que refletisse os atos, pois estava mentindo e destruindo a felicidade de duas mulheres.

Não tinha mais confiança, sempre quando via lembrava do travesseiro.
Com a descoberta a fama e conhecimento cresceram. Acabou que se alastrando fora da cidade aparecendo gente de todo o Brasil.
A casa não dava conta de tanta gente. Às vezes vinham com pedidos absurdos, de interesses mesquinhos. Queriam saber de tudo, tudo que tirassem proveito. De assumir cargos importantes, até mesmo escalas maiores, como transferências de bens ou que revelasse senhas de bancos ou procurasse na mente de alguém algum segredo comprometedor.

No dia que a encontrei tinha adquirido mais corpo, apesar de se manter magra. O cabelo o mesmo e usava vestido como de costume. Confesso que o encontro partiu dela, já que de imediato havia esquecido o seu jeito.

Contou-me que desistiu de ajudar. Querem mais se aproveitar, descobrir segredos, números de jogos e traições. O único resultado que tem orgulho foi o de desvendar o crime das crianças esquartejas pelo pedófilo. De resto, nada de importância o seu dom teve de melhor para auxiliar.

Há anos desistiu, fugira para o sul e neste dia estava de mudanças para o Rio de Janeiro. Nesse tempo não encontrou nenhum amor. Temia ouvir os pensamentos e o que encontrasse não seria bom nem pra ele e pra ela.

Aposentou, morava sozinha, os pais separados, cada um vivendo num Estado, o que era trabalho cansativo. E sim, ainda possuía a telepatia, tanto que escutara meus pensamentos. Disse ela:
Seus pensamentos voam livres como os pássaros.
E riu. Guardaria segredo.

Minha última pergunta foi se teria coragem de utilizar para aproveito de enriquecimento.
Abriu um sorriso confiante e respondeu:
Não sou assim. Espero que entenda.
E não era mesmo.

Levantou, deu-me felicidades, despediu e se juntou a multidão do aeroporto.
Foi há dois anos. Depois não soube mais dela, nem na nossa cidade natal sabiam.

Hoje ao ligar no noticiário veio a notícia de um corpo encontrado dentro do veículo. Corpo feminino, no banco do motorista. O vidro quebrado e recebeu tiro na cabeça.

A repórter noticiou que testemunhas viram uma moto do lado do automóvel. Tiro certeiro e mortal. Não houve tempo pra socorrer. Também não reconheceram os assassinos, roupa preta, capacete e gorro, podiam ser qualquer um.

O que me chocou foi o nome que a repórter revelou.
Luamar.
Ditou as fisionomias que a minha vizinha possuía. Quase, errara no cabelo, estava liso. Mas sim, seu nome era Luamar.

Fiquei na dúvida. Seria ela? Morava no Rio de Janeiro. Foi o que disse na última vez. E se havia mudado pra cá, pra cidade?
Não. Coincidência. Qualquer mulher teria nome igual. Ou não?

A notícia foi passageira. Não era importante, mudaram o foco pra Brasília e o Planalto. Corrupção quentinha saindo do forno.
Seja lá quem for essa Luamar, deixou-me triste. Uma pena, mesmo não sendo a vizinha que escutava os pensamentos dos outros, não desejava mal a ninguém.
Esse mundo é uma paranoia.

(Rod.Arcadia)







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